MOVIMENTO TERRA MIRIM
A Comunidade: desenho exterior do espaço interior
A Comunidade Terra Mirim nasceu de uma inspiração, crescida e gestada no coração da Xamã Alba Maria, na década de 1980, quando vivia com sua família na “Fazenda Mirim”, com área total de 7,5 hectares. Alba nos conta que, na época, costumava se retirar para um local, no fundo da fazenda, para meditar. Em um desses momentos, ela teve uma “visão”, a qual mostrava pessoas de diversas partes do mundo transitando e vivendo no sítio da Mirim. Este lugar que até então abrigava a sua família seria transformado em um espaço dedicado ao “bem da humanidade”. A Mirim, como carinhosamente passou a ser chamada foi agregando pessoas que comungavam do sonho da Xamã Alba Maria e aos poucos foi sendo transformada em um “Centro de Luz”, com o foco inicial no desenvolvimento pessoal e espiritual. Aliava-se dessa forma o exercício prático das ações e atividades a uma observação permanente da consciência individual e coletiva. O engajamento de muitos ao projeto foi auxiliando na re-adaptação das antigas estruturas físicas: a residência principal se transformou no atual Espaço Administrativo e Refeitório, o galinheiro se transformou no Espaço Ambiental, o antigo curral se transformou na Casa das Artes, por exemplo. Durante vários anos, novas estruturas e espaços comunitários (Casas do Sol, Casa da Lua, Casa das Artes, Casa dos Mestres, Casa do Recolhimento, Templo de Meditação, entre outros) foram sendo construídos por meio de recursos próprios/doações de seus membros e principalmente da Xamã Alba Maria.
As mãos de cada um/a sempre foram a grande ferramenta. Os cânticos eram e são a guia e quando termina-se uma tarefa, a alegria e o sorriso brilham na face de cada miriniano/a. Nunca esquecendo da terra, nossa mãe, paralelamente a tudo, implantava-se a horta orgânica, pomar ecológico, jardim de ervas medicinais, viveiro de mudas e jardins, espaços sagrados e cuidados por todos/as nos dias de hoje. Os mutirões foram e são ainda uma prática bastante utilizada na comunidade.
O tempo passou, mas o ímpeto prático de se materializar as muitas estruturas e atividades dos projetos, vistas como parte do Propósito Comum, sempre foi acompanhado de incansáveis conversas e reuniões que visavam debater pontos críticos e chegar a soluções coletivas, continua a existir. Nelas, cada membro presente assumia a responsabilidade diante de sua própria fala e das decisões acordadas coletivamente, mesmo diante dos conflitos e descontentamentos. Por mais de uma década, haviam encontros regulares (aos domingos à tarde) envolvendo todos os membros, os quais foram fundamentais para solidificar as ações e metas propostas. Paralelamente, as diversas áreas, ou grupos de trabalhos específicos, encontravam seus próprios momentos e periodicidade de reuniões. Os impedimentos pessoais eram dirimidos quando o sentido era se avançar na busca do bem coletivo. Por exemplo, foram incontáveis as reuniões que aconteciam nas madrugadas, quando a necessidade de compatibilizar os diversos tempos pessoais assim exigia. Hoje, com o processo amadurecido e consolidado, as reuniões continuam a acontecer, principalmente por áreas e setores, e, quando necessário, com todos os membros, sejam comunitários ou ligados à organização.
Na maior parte, as tarefas a serem executadas eram e são simples, “braçais” e cotidianas, como cuidar da arrumação e manutenção dos espaços físicos, plantar e cuidar de jardins, cozinhar, varrer, limpar… Entrecortada com momentos de “meditação” (três vezes ao dia no início e atualmente apenas uma vez), a atenção a tais atividades era reconhecida por todos como parte do próprio processo de auto-conhecimento, bem como, em um nível mais pragmático, parte essencial da construção da organização interna da nova coletividade que estava sendo gestada.
Em um nível mais “profundo”, a atenção plena na realização de cada tarefa, no “aqui e agora”, permite um processo de abertura à “integração” espiritual, com aquilo que, por exemplo, Eckhart Tolle (2002) chama de “presença”, “Ser”, ou o “eu verdadeiro” de cada pessoa. Acredita-se, assim que, cada lugar cuidado, cada construção feita vai sendo imantada pela “energia” ou sensibilidade daquela/e que se dedicou a tal ação, para o bem de todos. Por outro lado, a limpeza ou construções exteriores ajudavam cada pessoa a enxergar a sua própria condição subjetiva e relacional com o mundo. Desta forma, uma aliança entre “a busca pessoal pela consciência do ser e o trabalho por uma causa verdadeira e coletiva”, como nos diz Maria Izabel, determinou a solidificação, cotidiana, do espírito comunitário do grupo.
Foram longos anos de dedicação para transformar o sítio da Mirim em um local ambientalmente revitalizado, sobressaindo-se na região, inclusive pela atração de diversas espécies da fauna local. Inspirada inicialmente na Comunidade de Nazaré Paulista (SP), onde se exercia tal percepção e ritmo de trabalho, aos poucos, Terra Mirim foi encontrando sua própria identidade e fazendo suas próprias sínteses. Principiando em seu próprio sítio, todo este trabalho de recomposição também foi atraindo a atenção das pessoas do entorno e, com os anos, o trabalho se estendendo para outras áreas.